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“Pérolas” produzidas por estudantes são divulgadas por professores

Há tempo acompanho pela televisão a exposição de trechos de redações de estudantes brasileiros em um certo programa que vai ao ar no início das madrugadas. Eu mesmo, ao corrigir algumas avaliações, já fui surpreendido por textos que poderiam figurar entre as “pérolas” apresentadas por esse programa, onde a platéia, constituída em sua maioria por estudantes universitários, ri de pessoas que procuram de alguma forma expressar seus pensamentos.

É certo que o talento do apresentador para a comédia contribui para tornar cômica a tragédia dos fracassos educacional e ético das personagens envolvidas. O fracasso ético pode ser visto na exposição leviana dos textos, e, portanto, da fala, de pessoas que ousaram tentar expressar, por escrito, o conhecimento que possuem - ainda que de forma não muito clara; e também na atitude de estudantes que tentam disfarçar a falta de estudo escrevendo frases vagas numa tentativa de “enrolar” o professor, em lugar de arcar com o ônus de sua falta de comprometimento. O fracasso educacional é um capítulo à parte.

A escola recebe crianças que, salvo casos especiais, comunicam-se em língua materna utilizando todas as regras gramaticais, ainda que falando uma língua não padrão. A tarefa dessa instituição é transmitir a essas crianças o domínio da escrita, introduzir a norma culta da língua, àquelas que ainda não a utilizam, e transmitir-lhes ao longo do processo de escolarização parte dos conhecimentos acumulados pela humanidade. Assim, quando encontro em um texto, produzido por uma adolescente de 7ª série do Ensino Fundamental, uma afirmação de que “uma das maneiras de se prevenir a AIDS é não usar camisinhas usadas” eu preciso, como educador, levantar as hipóteses que levaram a aluna a produzir tal texto. Teria ela confundido o uso de preservativos com o compartilhamento de seringas? Seria essa afirmação uma conclusão equivocada extraída de algum programa na TV, ou de alguma conversa com colegas? Talvez seja apenas uma tentativa de explicar a resposta sintética que recebeu ao indagar sobre um preservativo usado jogado na rua. Olhando nessa perspectiva não sugere nenhuma comicidade.

Se questionássemos as hipóteses dos alunos talvez não rotularíamos como “pérolas” as respostas dadas em avaliações ou as afirmações e opiniões encontradas nas redações dos estudantes brasileiros. Em uma reflexão mais profunda talvez chegássemos a conclusões interessantes: cada estudante que fracassa é um caso de fracasso da escola e os professores são os principais representantes dessa instituição. Estariam meus colegas refletindo antes de apresentarem as “pérolas” que têm “garimpado” com tanto trabalho?

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